A próxima “onda” digital: a realidade aumentada e onipresente através dos óculos que estão sendo desenvolvidos pelo Google. Até que ponto isso é bom?
João Luís de Almeida MachadoEducação
Seriados e filmes das décadas de 1960 e 1970 prenunciavam vários artefatos que acabaram se tornando realidade no século XXI. Entre eles, por exemplo, os telefones celulares, as onipresentes telas finas, os relógios multifunção, os equipamentos guiados por comando de voz, as redes computadorizadas e tantos outros.
Sergei Brin, co-fundador do Google, utiliza os óculos de realidade aumentada.
Agora chegou a vez dos óculos de realidade aumentada. O que são? Imaginem que com estes óculos é possível acessar a internet ao andar pelas ruas (em locais com conexão wireless) e, a partir destes recursos, nesta jornada, ser informado sobre o próximo ônibus ou metrô, o melhor e mais ágil caminho a seguir, onde encontrar a agência bancária mais próxima, a cotação do restaurante da esquina, o endereço da empresa onde você vai fazer uma entrevista ou reunião, em que lugar encontrar flores ou livros para comprar...
Você olha para frente e uma minúscula projeção coloca diante de seus olhos, ao mesmo tempo em que mira o que é real, uma tela com estas informações todas.
Com isso descobrimos que toda a humanidade sofria de miopia digital, ou seja, éramos parcialmente cegos quanto a todas estas informações e agora, com este recurso que está em desenvolvimento nos laboratórios de Larry Page e Sergei Brin, iremos ter visão plena...
E embarcamos de vez num filme de James Bond ou num dos contos fantásticos de Phillip K. Dick (como “O Vingador do Futuro”, “Minority Report” ou “Blade Runner”, todos transpostos para o cinema) com a possibilidade de enxergar além daquilo que está diante de nossos olhos e ver microtelas que complementam nosso olhar.
A ficção científica a se tornar realidade. por volta de 2030, conforme previsões dos cientistas, teremos chips implantados em nossos cérebros. Já existe algo semelhante com microchips colocados sob a pele das pessoas para que sejam localizadas em caso de sequestro.
“O homem de seis milhões de dólares”, série de TV famosa nos anos 1970, estrelada por Lee Majors, que protagonizava os episódios como Steve Austin e teve alguns de seus membros substituídos por próteses que o tornaram mais forte, rápido e capaz de olhar aonde nenhum ser humano comum conseguia, enxergando a distâncias incríveis, como se tivesse um binóculo nos olhos, ficou para trás...
O novo olhar preconizado no projeto do Google nos permitirá acesso a todo universo de informações que hoje conseguimos acessar em nossos computadores de mesa, notebooks, tablets e celulares, só que acoplado ao corpo, preso por hastes a nossas orelhas, projetando imagens diante dos olhos sem maior esforço por parte das pessoas que utilizarem este recurso.
O surgimento, num futuro breve, dos chips a serem implantados no cérebro, expandindo a capacidade humana de saber, conhecer, pensar (será?) e informar-se, associado a estes óculos, aos aparelhos celulares (que certamente serão melhores ainda, senão passarem a fazer parte dos próprios óculos “biônicos” de realidade aumentada), a tablets, notebooks e outras máquinas farão com que o ser humano seja exponenciado!
Será que teremos botão de desliga para que possamos descansar a mente e o corpo? O que acontecerá com o mundo real... Teremos olhos para o que está além das imagens e dados projetados? No futuro talvez as firmas de telefonia celular sejam também especializadas em ótica e entrem para este ramo...
Basta tirar os óculos e tudo bem. Estamos fora do mundo virtual projetado diante de nossos olhos, irão argumentar os defensores destas novas tecnologias.
A lente dos óculos será capaz de fazer streaming de informações.
A experiência de vida, no entanto, irá nos tornar muito mais plenos, capazes, fortes e inteligentes. Caminhar por um museu, por exemplo, dirão tais pessoas em prol dos óculos de realidade aumentada, permitirá ao professor e a seus alunos que, ao pararem diante de uma tela de Monet ou Portinari que saibam quem foi o artista, quando pintou aquele quadro, o que está ali expresso, as tintas utilizadas e a técnica realizada.
Ao se deparar com um prato típico da culinária italiana ou baiana, o computador acoplado a nossos olhos poderá indicar que ingredientes são utilizados para fazer esta iguaria, qual sabor aproximado deve ter, as origens do acepipe e, talvez, até mesmo nos alertar se a cor ou o odor estão de acordo para que evitemos comer algo deteriorado, com data de validade vencida ou que venha a atacar nosso estômago. Imagine que se for realmente personalizado, venha até a indicar se é adequado a nossa dieta e especificações corpóreas...
Pense também que ao passar diante de uma loja qualquer os óculos poderá disparar uma mensagem indicando liquidação, descontos de até 50% em calçados, calças, tênis ou qualquer outro item. Você se sentirá compelido a entrar e comprar, consumir, gastar o dinheiro que suou tanto para conseguir ou mesmo se endividar em seu cartão de crédito (será que eles ainda estarão em voga nos próximos anos? Ou serão substituídos pelos cartões virtuais em telefones celulares ou óculos de realidade aumentada?).
De qualquer modo, as vantagens apregoadas serão tantas que não teremos tempo para pensar que há ou mesmo se existem desvantagens em usar os óculos de realidade aumentada. Talvez por isso, antes que se tornem a próxima febre de consumo tecnológico, que tal analisar as contraindicações desta maravilha que o Google (e outras empresas que certamente trarão modelos alternativos) colocarão em breve no mercado (especula-se que até o final de 2012 estarão disponíveis os primeiros modelos).
Imagino que o movimento dos olhos é rápido o suficiente para administrar a realidade e a tela projetada pelos óculos do Google, mas isso não poderá causar algum tipo de stress ou de desgaste fisiológico? A exposição demasiada as telas a partir dos anos 1990 e 2000 já não têm causado vista cansada e aumento no grau dos óculos ou mesmo maior procura por este recurso entre as pessoas? Se além do trabalho e do uso doméstico também nas ruas estivermos com telas diantes dos olhos o tempo todo aonde iremos parar?
Precisamos, de fato, da overdose de informações que serão geradas com estes óculos de realidade aumentada? Isso não irá, de alguma forma, nos tornar mais dependentes da tecnologia e menos capazes de trabalhar com nossos cérebros na busca de informações de outras maneiras? Como está tudo por ali, nestes computadores em forma de óculos, não precisaremos mais memorizar nada, não é mesmo? Isso não constitui uma perda para os seres humanos?
Caminhe por estações do metrô, aeroportos, shopping centers, supermercados, feiras ou pelas ruas e veja como muitas pessoas hoje estão sempre de olho em algumas telas. William Powers, autor de “O BlackBerry de Hamlet”, diz a certa altura de seu livro que se sente compelido, por vezes, a desligar as telas que estão espalhadas por computadores ou elevadores nos quais se encontra. Para que as pessoas se vejam, troquem algumas palavras, realizem aquilo que até bem pouco tempo era tão comum...
Será que com a realidade aumentada iremos ver o por do sol, a criança a correr alegre pelo jardim, o casal de idosos de mãos dadas a caminhar pela praça, os namorados abraçados na fila do cinema, as flores belíssimas e o gramado aparado da casa da frente, os ciclistas em sincronia a exercitar-se na avenida, o sorvete derretendo e as mãos melecadas do menininho, os pássaros a deslocar-se nos céus em movimento de migração...
Os óculos do Google e a realidade aumentada vieram para ficar, é claro, como todas as tecnologias que nos últimos anos estão sendo incorporadas ao nosso cotidiano. Não aceitá-las é nadar contra uma maré poderosa e andar na contramão daquilo que a humanidade apregoa e constrói diariamente, numa voga desenvolvimentista, industrialista, científica e tecnológica. Mas simplesmente aceitar, sem pensar o que se está incorporando ao cotidiano e a nossos próprios corpos, constitui verdadeira miopia digital...
Thaiany Almeida
Thaiany Almeida
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